segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Tipos e usos de cercas-vivas

Muitos paisagistas, ao começarem a aprender seu ofício, escutaram de seus professores que os elementos vegetais, segundo seu uso, podem ser comparados à estrutura de uma casa: as forrações formam o piso, os troncos lembram colunas, copas e pérgulas nos recobrem como tetos e os arbustos fazem o papel de paredes.

Pois essa é uma boa maneira de pensarmos sobre as cercas-vivas. O primeiro passo para a escolha adequada é definirmos o que queremos dessas “paredes verdes”. 

Na foto ao lado, uma cerca-viva sofisticada e bem-cuidada delimita e protege a entrada da casa. Para ocultar a área mais vazada junto ao solo, uma fileira de buxinhos dá o acabamento.

E na foto abaixo vemos um jardim francês (Manoir d'Eyrignac) com aplicação da topiária na formação das  cercas-vivas. Repare nos arcos e janelas.   

       Neste artigo vou comentar sobre suas possíveis funções e dar algumas sugestões de espécies mais apropriadas.

             Uma cerca-viva sempre supõe vedação, barreira ou limite de algum tipo. Se o que queremos é uma vedação visual, sem preocupação com segurança, temos uma grande variedade de opções. Podemos conseguir uma vedação boa com arbustos de folhagem densa, que não permitem que nenhum dos “lados” da cerca veja o outro. Consegue-se isso com buxinho, murta, azaléia, tuias, bambu e mesmo com trepadeiras vigorosas, como as tumbérgias e alamandas. Claro que neste caso o plantio deve ser bem adensado e as podas cuidadosas, para não deixar buracos. Se quisermos uma vedação visual unilateral, ou seja, queremos ter luz e alguma visão, mas mantendo uma sensação de privacidade vistos, podemos usar novamente o bambu, mas neste caso escolhemos o bambuzinho (Bambusa gracilis), e também nandinas, ou trepadeiras como madressilvas e heras. O plantio deve ser menos denso e a espessura da “parede verde” deve ser menor. 

O bambu terá de ser mantido com podas freqüentes, não na altura, mas retirando-se os brotos novos que saiam do limite de espessura desejado. Aqui vale um alerta: a vedação visual mais leve para evitar, por exemplo, que uma janela fique devassada, ás vezes funciona ao inverso à noite, com o ambiente interno iluminado e bem visível em contraste com a escuridão externa. Em termos de privacidade é o pior tipo de situação. Comparando com a “casa” do começo do texto, ela deixa de ser parede ou persiana para funcionar como uma cortina sem forro!

   A esquerda um lindo exemplo no Japão, com o bambú mossô combinado à cerca de junco seco. É uma cerca-viva que se move ao vento, delimita as proprieda des e sombreia o caminho.

 Duas considerações importantes: ao escolher uma planta para vedação, tenha certeza sobre a sua estrutura quando adulta e respeite as indicações de cultivo. Muitas plantas que parecem arbustos quando jovens, adquirem a forma de árvores quando adultas, e a região mais baixa do tronco não se presta para vedação visual. Fica vazada. E se a planta não receber a insolação, irrigação ou adubação adequadas, não vai atingir o desenvolvimento que você esperava. 

               As trepadeiras são excelentes para vedação, crescendo e preenchendo os espaços com grande rapidez. Mas, como o próprio nome indica, necessitam de algo para se apoiarem. Dependendo do que vai servir de apoio, elas podem ser usadas quando se necessita aliar segurança e beleza. Um gradil de ferro simples pode ser um tanto pesado e agressivo. Mas com o “rendilhado” de uma bela trepadeira florida dá para a gente esquecer que está enjaulada!

E assim chegamos a mais uma função das cercas-vivas: delimitação e proteção da propriedade. Precisamos dimensionar o perigo e a propriedade! A idéia geral é utilizar grandes arbustos, que permitam plantio adensado, tenham folhagem desde o chão e, se possível, espinhos. No caso das áreas rurais se usa muito o cipreste e o sansão do campo (que inclusive tem espinhos), mas é duvidoso o quanto de resistência uma planta pode oferecer a alguém decidido e num lugar solitário! Agora, claro que desencoraja invasões e, em termos de paisagem, cria uma barreira psíquica, visual e até auditiva que pode ser muito relaxante.

 Nas cidades podem ser usados ciprestes, tuias e murtas, mas como esperar até que alcancem  tamanho e densidade adequados para o quesito segurança? Um bom muro coberto por primaveras lindas e cheias de espinhos ou um gradil disfarçado por arbustos e trepadeiras são provavelmente soluções mais viáveis para nós, habitantes assustados das grandes e médias cidades! Outro alerta: sabe aquele seu simpático cão-de-guarda? Pois é, ele pode escapar cavando a terra por baixo da cerca-viva. Portanto, neste caso também temos que complementar as plantas com uma cerca, gradil ou placas que afundem uns 30 cms no terreno.

 Agora, se você é o sortudo morador de um lugar tranqüilo, aproveite enquanto pode e use belas cercas-vivas para delimitar sua casa. Use jasmim-do-cabo (Gardênia jasminoides), ocna (Ochna serrulata), ligustro (Ligustrum sinense), alpínias, buquê-de-noiva (Spiraea cantonienses), ixora coral (Ixora coccínea), e muitas outras! E me mande o endereço...


O plantio de espécies nativas

Muitas pessoas gostariam de viver a experiência de recuperar uma área degradada, acompanhar a transformação de um descampado em um bosque com árvores nativas, com muitos pássaros e, quem sabe, alguns outros dos nossos animais silvestres...

Em uma escala pequena e sem intenções comerciais é possível plantar bosques nativos a partir de uma orientação básica e alguns cuidados simples de manutenção nos primeiros anos. Para projetos maiores e mais ambiciosos (e que sejam bem-vindos!) é imprescindível o acompanhamento de um profissional, seja agrônomo, seja um paisagista com experiência específica.

Mas como é que a natureza recupera áreas desmatadas? A intenção da natureza é recriar a floresta, em um processo chamado “sucessão secundária”, e que pode levar de 30 a 60 anos. Vamos imaginar uma área devastada pelo fogo e pelo uso do solo para plantio. Se ela ficar abandonada, vão surgir as “ervas daninhas” (herbáceas anuais) durante os 3 primeiros anos; logo em seguida vem as herbáceas perenes e os arbustos perenes. Aqui cabe uma observação: quando um terreno é deixado abandonado, só recebendo uma ou duas capinadas por ano, o que se está fazendo é interromper o processo natural e (para piorar) “criando” ervas-daninhas anuais, cujas sementes serão levadas pelo vento, chuvas e animais para os terrenos, plantações e jardins vizinhos. Por isso é sempre melhor dar algum uso à terra.

Depois de um período em torno de 6 anos começam a surgir certos tipos de árvores, que são denominadas espécies pioneiras. Elas vão continuando o processo de recuperação, crescendo e sombreando a área. Havendo sombreamento suficiente começam à germinar e crescer as espécies secundárias e , terminando o processo, brotam e se desenvolvem as espécies clímaxes.

E de onde surgem essas diferentes espécies? De sementes vindas de florestas próximas, trazidas pelo vento, chuvas ou animais, e também de sementes adormecidas no solo. Quanto mais bosques e florestas existirem, mais fácil e rápida é a regeneração de novas áreas.

Mas o homem pode apressar muito esse processo (e como somos impacientes!), completando-o em 10-15 anos. Podemos plantar de uma só vez quase todas as espécies dos três estágios. Mas atenção quanto às seguintes observações:

 

  1. Coloque as espécies climaxes junto de duas (ou mais) outras mudas das espécies pioneiras e secundárias, que irão se desenvolver mais rápido e criar o sombreamento necessário.
  2. Leve em consideração o porte adulto das plantas, evitando a proximidade entre duas espécies de porte muito grande. De modo geral use um espaçamento de 3m x 4m entre as covas.
  3. É aconselhável adicionar-se fósforo às covas, ou, no caso de solo muito esgotado, material orgânico e outros elementos necessários. Vale a penas fazer uma análise do solo.
  4. Nos primeiros dois ou três anos são necessárias algumas capinas em torno das árvores e eventualmente o combate às formigas. Não faça podas! Deixe as árvores se desenvolverem naturalmente.
  5. Procure diversificar, misturar várias espécies. Se possível, descubra quais espécies são nativas da sua região.

 A seguir uma lista com algumas espécies, divididas segundo o processo de sucessão secundária.

 Eu focalizei as nativas de mata atlântica, por serem as mais pedidas quando o assunto é recuperação de matas. Os nomes com asterisco são daquelas árvores mais comumente conhecidas, para tirar um pouco do aspecto “assustador” de tantos nomes em latim. Entre parêntese, um ou dois (entre muitos...) nomes populares.

Espécies Pioneiras:

 Acácia polyphylla (monjoleiro)

Acrocomia aculeata (macaúba)

Alchornea glandulosa (tapiá)

Alchornea triplinervia (tanheiro)

*Bauhinia forficata (pata-de-vaca)

Casearia sylvestris (guaçatunga)

*Cecropia pachystachya (embaúba)

Croton urucurana (urucurana)

Croton floribundus (capixingui)

Erytrina crista-galli (sananduva)

Guazuma ulmifolia (mutambú)

*Ingá uruguensis (ingá-do-brejo)

*Lithraea moleaides (aroeira branca)

Machaerium aculeatum (pau-de-angú)

Machaerium nyctitans (guaximbé)

Ocotea puberula (guaicá)

*Psidium guajava (goiaba-branca)

Rapanea ferruginea (azeitona do mato)

Schinus terebinthifolius (aroeira-mansa)

Schizolebium parahyba (guapuruvu)

Sebastiania commersoniana (branquilho)

*Senna multijuga (pau-cigarra; canafístula)

Tapirira guianensis (fruta-de-pombo)

*Tibouchina mutabilis (manacá-da-serra)

Trema micrantha (grandiúva)

Xylopia emarginata (embira-preta)

Espécies secundárias:

Aspidosperma parvifolium (guatambu oliva)

*Chorisia speciosa (paineira-rosa)

Cordia sellowiana (jureté)

Cordia trichotoma (louro-oardo)

*Dendropanax cuneatum (maria-mole)

Didymopanax monototonii (monototó)

*Eriotheca candolleana (catuaba)

Hyeronima alchorneoides (licurana)

Rallinia silvatica (araticum-do-mato)

*Tabebuia impetiginosa (pau-roxo, ipê-roxo)

*Tabebuia vellosi (ipê-amarelo)

Terminalia brasiliensis (merendiba)

Zeyheria tuberculosa (ipê-tabaco)

Espécies Clímax:

Apuleia leiocarpa (grápia)

Aspidosperma ramiflorum (matiambú)

Cabralea canjirana (canjerana)

*Caesalpina echinata (pau-brasil)

*Cariniana legalis (jequitibá-rosa)

Duguetia lanceolata (pindaíva)

Esenbeckia leiocarpa (guarantã)

*Lecythis pisonis (sapucaia)

Ocotea catharinensis (canela-preta)

*Paratecoma peroba (peroba-do-campo)

Peltogyne augustiflora (roxinho, pau-roxo)

Sclerolabium denudatum (tapassuaré)

*Sterculia chicha (chichá)

Swartzia langadorfii (pacova-de-macaco)

Sweetia fruticosa (sucupira-amarela)

*Tabebuia heptaphylla (ipê-roxo)

*Tabebuia serratifolia (ipê-amarelo)

*Xilopia brasiliensis (pindaíba)

Virolla olifera (bocuva)

(A fonte mais importante deste texto é o livro “Árvores Brasileiras” do Eng. Agrônomo Harri Lorenzi. As obras deste autor estão presentes no dia-a-dia de todos os paisagistas. A ele o nosso respeito e admiração.)

Renata Polga